quinta-feira, 22 de setembro de 2011

Prosa Inversa



            Nestas linhas eu derramo meus pedaços, os meus restos, meus gestos e cansaços. São pedaços que de mim se independem, tomam cores, formas, tons e sons iguais e diferentes. São meus sonhos, meus quereres e desejos que ante os olhos de minh’alma  se despejam, vez por outra me usurpam meu papel e em mim escrevem meus pretextos fora de contextos; tantos fatos desenham em mim rostos e retratos que outras faces querem ver sempre sob o mesmo véu.

            Mas em prosa e verso eu me busco, me garimpo, me descasco, me retiro dos seixos e cascalhos, e pra mim mesmo invento outras razões para sorrir. Tão pouco me importa se não está em verso a prosa, que reconstruo o ritmo da rima, reinvento em prosa a rima, reinverto e invento provas que façam crer que eu posso e vou fazer muito mais do que até agora.

            Interessa-me que a minha busca não cesse jamais; que inquieto eu viva procurando aquele reino tão cheio de encantos que não cabe a palavras nem poesias limitar; que as rimas, para ele sempre indignas, dignamente jamais hão de florear. E estes meus versos eu não os quero grandiosos e tão belos, tão somente puros, humanos e sinceros eu os quero, pois assim refletirão minha verdade. Ainda que simples, neles cabe a eternidade; cabe a dor, a alegria, a presença e a saudade. Cabe o tempo, cabe o tudo, cabem verbos, letra e melodia. Cabe o grito que eu não dei e a vida que em mim morria quando cada lágrima furtiva dos meus olhos desprendia.

            Desejo que estes versos que ora vertem em torrentes, sejam frios, sejam quentes, abriguem outras almas em suas ruas inexistentes. E nessas ruas cada alma encontre abrigo por saber que a dor que chora é partilhada comigo nas palavras que eu calo e nos versos que repito. Saibam tais almas que em rios interiores, cujas margens floridas são de amores, encontra-se o escoar de sonhos e metas buscadas. Que não se esquivem de esquinas quando, dobrando-as, encontrem novas sinas e ouçam o dobrar dos sinos, se permitam pequeninos e se descubram tão humanos e, por isso, divinos.

            Mas em mim os versos seguem, sangram, soam, subvertem minhas memórias, rearranjam minha história e encontram viço, vida e vontade de escrever um novo rumo com poesia e arte. E eu não escolho a inversa prosa pra escrever tais versos, eu os quero nascendo donos de si mesmos, sem arreios, nem ditames, sem nexos. Que brotem em meus jardins, feito ouro garimpado e exorcizem os meus medos, meus receios, meus fracassos. Que me apontem uma via entre as sendas divididas, e entre os nós que dou em pingos d’água para desatar os nós que entrelaçam minha alma, eu encontre o sentido.

            Em mim os versos sangram, soam, vertem sonhos cristalinos. Minhas dores vertem lágrimas que escorrem em versos, e molham o meu rosto, minha fronte, me tornam outra vez menino, e me libertam de ser aquilo que não quero. Seja esta prosa em versos uma prosa inversa, que de vida encha a minha vida, de versos livres se componha, tal qual a vida que em mim pulsa e que impulsiona.


Roberto Amorim – 21 de setembro de 2011