quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

"..."


            Quando vieres caminhar nestas ruas e caminhos preciosos, despe teus medos, sustos, teus receios mais recônditos, e venhas livre de querer possuir-me. Que venhas caminhar disposto a bailar levemente por sobre os jardins que beiram minhas estradas, pois o tesouro que trago em mim me foi entregue bem antes que eu mesmo pudesse supor.

            Minhas calçadas ornam de encantos a via, e o mais precioso de mim só verá quem decidir transpor a relva. Quem não o fizer não me verá de fato. Eu não moro em minha periferia. Minha casa está bem construída no interior de mim, e até lá só hão de chegar os simples. De fato, somente eles quererão chegar lá, pois saberão perceber e intuir que o essencial de mim está além do que seduz os sentidos normais.

            Ao passar por estas ruas, não te prendas ao que vês pelo caminho. Hás de ouvir música no decorrer de toda a senda, mas também ouvirás gritos e silêncios ruidosos; hás de notar que as mais belas paisagens somente são vistas olhando de dentro da cidade para fora dos muros. Então deverás vir disposto a não querer somente me entender e poder explicar para ti mesmo o que sinto, mas viver o que vivo neste mundo interior.

            Notarás também na estrada belos cacos de pérolas e diamantes. São pedaços do melhor de mim que, ou foram por mim entregues sem que eu tivesse o devido cuidado, ou foram roubados de mim, levados levianamente ante meus olhos adormecidos e torporizados por acreditar na pureza e na verdade essencial de cada um. De qualquer modo, não peço que os recolhas no caminho e traga-os de volta. Já não são necessários. Somente venhas disposto a devolver meus significados e sentidos. Traga-me de volta aquilo que é meu e mora em ti, e não aquilo que é teu e queres que eu tenha em mim. Não me servem, não me cabem. Eles não são mais do que o teu egoísmo projetado em mim, para que, fingindo amar-me, ames a ti mesmo.

            Ao chegares, enfim, repara que esta minha porta jamais se tranca, mas também jamais se escancara. E repara que as janelas não se abrem. Se queres me ver, me descobrir, se desejas de fato estar em mim, as janelas não são para ti. Janelas são para os que não querem mais do que uma vitrine que lhes deleite os olhos. Para ti, é a porta, pois por ela entrarás e respirarás o mesmo ar que eu, e assim o que é essencial para mim o será também para ti. Haverá comunhão!

            E assim terás chegado a mim. Verás que os adornos na estrada atraíam para coisas bem mais simples do que pareciam. Aqui dentro não há senão a essência que me faz ser o que eu sou, trivial e comum. Os tesouros e haveres deste mundo de nada servem aqui. O tempo é secundário, se esconde sobre pequenas eternidades. O eco de tuas palavras em minha sala envidraçada pode durar algumas eras, disfarçadas de breves minutos. A vibração o ar, porém, pode arejar toda a casa, ou fazer rachar vigas, paredes e colunas, mas ainda assim verás a casa por fora.

            E assim terás chegado a mim, descobrindo o que sou sob os véus do aparente, e nada mais.
            Este sou eu. Isto sou assim. Eterno, efêmero... Esperando visitas que me levem até mim.


Roberto Amorim
06 de dezembro de 2011 – 19:50h
Metrô de São Cristóvão - RJ

Um comentário:

  1. Não consigo imaginar ninguém escrevendo algo assim em pleno metrô sem que tenha uma ajuda ou motivação muito grande!!!

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